Menina Lobo - Mais uma vez sozinha
- Eliana Llorente
- 10 de fev. de 2021
- 5 min de leitura
Mais uma vez sozinha...
Mais uma vez sozinha na luta contra os seus próprios demónios, mais do que ter de lutar contra os demónios que anteriormente já tinha, agora adquirira mais alguns para a lista...
Na verdade, esta não é a primeira vez que a menina lobo, de pele branca como a neve e olhos mais negros do que as penas de um corvo, se vê sozinha. Mas desta vez, é, definitivamente, diferente de todas as outras vezes, pois desta vez conseguiram destruí-la totalmente.
Já a tinham magoado bastante no passado, e por isso mesmo tinha prometido a si mesma que não voltaria a permitir que ninguém chegaria perto da sua alma, da sua essência. Vestindo assim a armadura mais forte que conseguiu construir...
As primaveras foram passando sem que ninguém conseguisse amolgar a armadura feita com a maior dedicação do mundo. A menina lobo viveu a sua vida, divertiu-se, teve novas experiências, começou a descobrir novos gostos. Permitiu-se viver o que as suas poucas primaveras de vida lhe pediam, mas sem nunca prender o seu espírito a nenhum ser.
Até que... um certo dia... apercebeu-se que alguém corrompeu a sua armadura, que tanto trabalho árduo lhe foi necessário para construir. Ao analisar o estrago chegou á conclusão que iria precisar de algum tempo para reestabelecer as forças da sua barreira contra os ataques inimigos.
Durante o tempo concentrada no reparo daquela brecha a menina não se apercebeu que o inimigo, aos poucos, atacava por outros lados e ângulos. Quando deu conta do sucedido já estava totalmente desarmada... Já estava demasiado embriagada com o cheiro e sabor do inimigo para conseguir lhe resistir.
Apesar de todo o medo que sentia, sem se aperceber, envolveu-se cada vez mais e aos poucos começou a partilhar histórias e vivências por que já tinha passado.
Conheceu o povo do que anteriormente era visto por si como inimigo. A menina lobo não sabia muito bem quando no tempo é que deixou de sentir que aquele ser em específico não era seu inimigo, apenas sabia que se sentia bem quando estava ao pé dele.
E por sua vez, o menino que, como toda a gente, também tinha o seu passado, traumas e receios. Deu a conhecer as tradições, os rituais, as histórias e lendas que formavam o legado do seu clã. Passando assim, a menina lobo a participar de reuniões e caçadas...
Envolveu-se com tal profundidade que se via como um deles...
- “Finalmente um sítio onde pertenço e posso relaxar.” - pensava ela, enquanto partilhava dos banquetes com o clã.
Ela não era totalmente sozinha na vida, pois tinha os seus pais e irmãos, mas o seu maior sonho sempre foi ter a sua própria matilha, entre os lobos ela era conhecida como a menina lobo solitária, e até mesmo considerada como perdida. Pois apesar de querer a sua própria matilha, ela não queria qualquer ser do seu lado, não lhe importava o clã ou legado de que tinham origem nem a fama que lhes acompanhava ou assombrava. A ela só lhe interessava os leais e honestos, quem lhe fizesse sentir segura e, mesmo sem o querer admitir, nem a si mesma, queria sentir-se protegida dos perigos alheios. Para ela esse ser tinha de ser verdadeiro independentemente de tudo tal como ela seria com ele.
E devido a sentir-se tão integrada no clã que no passado tinha visto como inimigo. A menina lobo, fez questão de fazer a mesma troca com esse ser que, com o tempo, veio-se a mostrar ser apenas um menino com medo de mostrar como verdadeiramente era, que na verdade tinha um coração de ouro. Mas com receio de o destruírem o menino apenas mostrava aos demais toda a raiva que foi acumulando ao longo dos anos, transformando esta numa autêntica armadura, tornando-se ele mesmo no menino tempestade. O menino que preferia magoar do que ser magoado, ou pelo menos magoar mais ainda quem o magoava.
Os meses foram passando. E tal como a primavera, que é florida e cheia de belas cores e cheiros, que, por sua vez, é substituída pelo verão com os seus belos e longos dias solarengos; seguido do amarelar das folhas das arvores que dão o início ao outono. Assim foi o relacionamento entre a menina lobo e o menino tempestade, com o passar do tempo a relação foi decaindo.
Tal como diz o velho ditado “o tempo tudo dirá e mostrará”, e tal é bem verdade. Despois de todas as maravilhas, sentimentos e momentos partilhados, ambos foram descobrindo coisas da parte um do outro que não gostavam, ou, que não gostavam assim tanto como lhes pareceu no início.
Outros seres foram tentando interferir entre o laço que ambos tinham, mas por um bom tempo eles continuaram firmes, até que, o que lhes incomodava entre eles sufocou-os e acabou por dar início ao declínio do seu elo.
O outono já estava bem instalado, as folhas de amarelas e avermelhadas já se tinham tornado castanhas e a maior parte caído. Deixando assim as arvores desnudas. E assim também estava a tornar-se a união entre a menina lobo e o menino tempestade.
Ambos se viam numa encruzilhada, entre o seguirem o caminho que tinham sonhado e projetado ou deixar esses sonhos e projetos pendentes durante algum tempo para seguirem um caminho um pouco mais afastados do que o que tinham planejado até poucos meses antes… Decidindo tentar o segundo caminho, os obstáculos só foram aumentando cada vez mais, em vez de terem o máximo de comunicação e clareza, ambos foram deixando pequenos pormenores de lado, sempre a pensar em não sobrecarregar o outro com as suas próprias preocupações; problemas individuais; medos; receios; etc, o que claramente só contribuiu ainda mais para a decadência da relação.
O inverno inevitavelmente acabou por chegar e com ele, a menina lobo e o menino tempestade, sem se darem conta, apesar de se amarem imenso, chegaram ao ponto onde já só sentiam sofrimento. Devido a todas as energias negativas à volta do casal, devido às energias negativas vindas de fora da relação como também de tudo o que ambos tinham medo de dizer para não magoar o outro. E com tudo isto, apenas foram-se destruindo aos poucos. A cada dia que passava só havia mais e mais sofrimento.
Depois de todas as infindáveis vezes que ambos tentaram “salvar” a sua união, acabaram por chegar à conclusão de que, apesar de todo o amor, já não faziam bem um ao outro como sendo um só, pois cada um sem se aperceber foi mudando. Ao terem chegado a esta conclusão, acharam por bem cada um seguir definitivamente o seu caminho a solo.
- “Apesar de tudo, levo-te no coração, porque para a vida não fui capaz…” – partilham um com o outro.
Mais uma vez sozinha…
Mais uma vez a menina lobo via-se sozinha a ter de lutar contra os seus próprios demónios…
A mãe da menina lobo sempre lhe disse que a sua filha era um pouco masoquista, e isso é bem verdade, com o passar do tempo a menina foi deixando de tentar sarar as suas feridas o mais rápido possível para que ninguém as visse, pois o que antes ela considerava como uma fraqueza, agora ela via que, ao deixar os inimigos verem as suas marcas de guerra, só serviria para mostrar o quão forte na verdade é. E de certa maneira mostrar ao mundo um pouco por tudo o que já passou no seu percurso nesta vida.
Ainda com os joelhos a doer devido às crostas que começavam a cobrir as recentes feridas, esta arrancou-as, uma e outra vez, para ter a certeza de que ficaria com as marcas bem visíveis…
Nunca se sabe o que o futuro nos reserva e com toda a certeza do mundo essa é uma das poucas coisas que a menina lobo agredida, lá bem no fundo da sua alma, da sua essência ela sabe muito bem que o futuro ainda tem muitas aventuras e avenças reservadas para ela.
O que será que o futuro tem reservado para a menina lobo?

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